O regime de multipropriedade imobiliária previsto na Lei 13.777/2018, apesar de novo no Brasil e pouco estudado pelos doutrinadores e legisladores, já existia nos países europeus como França, Espanha, Itália e Portugal, com o sistema de time-sharing, criando através da divisão do imóvel em frações de tempo a possibilidade de aquisição destas frações por diversos proprietários.
No Brasil o sistema demorou para ser adotado e vigorar através de legislação específica pois como veremos a seguir depende de uma série de fatores culturais que não refletem com a realidade do nosso país, como a falta de confiança entre as pessoas e a necessidade do brasileiro em aquisição de imóveis em sua integralidade.
O artigo 1.358-C da Lei 13.777/2018 definiu o regime de multipropriedade no Brasil da seguinte forma:
Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.
Natureza jurídica de multipropriedade:
O Direito a Propriedade é um Direito Fundamental resguardado pelo artigo 5°, incisos XXI e XXII, de nossa Carta Magna. Já seus efeitos são facultados por meio do positivado no Código Civil Brasileiro, reconhecidos como o exercício de Direito Real sobre uma coisa.
Não obstante, o Código Civil Brasileiro, não define a propriedade, mas sim as faculdades competentes a aquele que é titular desse direito.
Diante do contextualizado, podemos compreender que a Natureza Jurídica da Propriedade é definida pela competência de praticar sobre determinada coisa a plenitude do direito de USAR, FRUTIFICAR, DISPOR E REAVER a coisa a qual recai a prática desse poder.
Outrossim, a PROPRIEDADE pode ser definida pela capacidade atribuída ao seu titular de praticar atos que justifiquem a plenitude sobre a coisa, capacidade esta individualizada, resguardando ao Senhor deste Direito proteção e segurança jurídica contra terceiros.
A Multipropriedade, condição nova criada pela necessidade natural das relações condominiais, tem o seu emprego definido no exercício pleno da propriedade, estabelecendo aos condôminos do bem, o exercício das faculdades desse direito real dentro de um prazo temporal pré-estabelecido.
Considerações sobre a Lei de multipropriedade:
O texto trata da recentíssima disciplina da Lei 13.777/2018, que trata sobre o regime jurídico da multipropriedadee seu registro, alterando as leis nº 10.406/2010 (código civil) e 6.015/1973 (Lei dos registros públicos),objetivamos expor aspectos importantes desse novo diploma, sem pretensão de esgotar o assunto.
A lei acrescentou ao código civil os artigos 1.358-B e seguintes, bem como alterou a redação dos artigos 176 e 178 da Lei de registros públicos. A multipropriedade sobre bens móveis continua sem regulamentação específica, tarefa que ficará para eventual lei futura. O mobiliário que guarnece o imóvel, diante de sua natureza acessória, segue o mesmo regime jurídico do imóvel e, portanto, também é objeto do regime de multipropriedade do imóvel. A Lei estabelece que a fração de tempo na multipropriedade será de, no mínimo, 07 dias, fixo ou flutuante durante o ano (artigo 1.358). O voto do proprietário sob o regime de multipropriedade em assembléia será computado com equivalência a fração de tempo que lhe é devida (artigo 1.358-I, IV, a). Ressalta-se ainda ser possível transformar um condomínio edilício residencial em um condomínio sob o regime de multipropriedade, sendo necessário apenas aprovação em assembléia por maioria absoluta, inclusão do novo regime da convenção condominial e registro no cartório (artigo 1.358-O, II, Lei 13.777/2018). A lei em destaque é um marco legal relevantíssimo para o direito brasileiro e pouco explorada pela doutrina e pela jurisprudência.
Modalidades existentes de multipropriedade:
O regime de multipropriedade de Imóveis urbanos e rurais pode ser classificado da seguinte forma: Para fins de lazer; Para fins comerciais;Para fins de hotelaria. A multipropriedade para fins de LAZER: Trata-se de um meio para a formação do patrimônio imobiliário dos indivíduos, eis que um grupo de amigos ou de familiares pode juntos comprar e dividir o uso, os bônus e os demais encargos de um imóvel em algum ponto turístico do país. A multipropriedade para fins comerciais: É uma forma de construir o patrimônio imobiliário dos empreendedores, dividindo a fração de tempo do imóvel entre estes, tornando-o parte do capital social da(s) empresa(s). A multipropriedade para fins de hotelaria: Estaríamos diante de uma mescla da multipropriedade para fins de lazer e para fins comerciais, ou seja, os famosos “recidence; flat ou apart services” para a recepção de hóspedes.
Como registrar (requisitos essenciais)?
Para que o registro seja possível, haverá a necessidade de previsão do regime de multipropriedade de forma expressa na convenção do condomínio, indicando, inclusive, a possibilidade de aceitação pelo regime misto, ou seja, parte das unidades em regime de multipropriedade e a outra parte em regime comum.
A multipropriedade pode ser criada no ato da instituição do condomínio edilício, podendo ser apresentada ao cartório de registro de imóveis instrumento único de escritura pública lavrada no cartório de notas, bem como em instrumento distinto desde que seja lavrada escritura pública para instituição da multipropriedade. A instituição da multipropriedade deverá ser elaborada com base nos artigos 1.358-F, 1.358-G, 1.358-H e 1.358-N do código civil, a fim de que não haja exigência cartorária e o registro seja realizado com perfeição. Será necessário registrar a instituição de condomínio, a instituição da multipropriedade e a convenção do condomínio na matrícula originária. Em cada unidade condominial criada pelo registro da instituição do condomínio edilício sujeito ao regime da multipropriedade, será averbada a criação das matrículas individualizadas das frações de tempo, tantas quantas forem previstas no instrumento de instituição.
O artigo 3º da referida Lei estabelece ainda que poderão ser adotas medidas de isolamento e quarentena pelos órgãos públicos para enfrentamento da emergência de saúde pública internacional.
Convenção condominial da unidade sob regime de multipropriedade
O regime de multipropriedade, por si só, resulta na necessidade de amarrar os direitos e as obrigações comuns aos multiproprietários, razão pela qual a Lei 13.777/2018 determina a elaboração de convenção de condomínio em multipropriedade. Portanto, obrigatoriamente, a convenção deve disciplinar matérias como os poderes e deveres dos multiproprietários, o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel, regras de acesso do administrador condominial, fundo de reserva exclusivoda unidade em multipropriedade, regime aplicável em caso de perda ou deterioração do imóvel e sanções aplicáveis aos multiproprietários na hipótese de descumprimento dos termos da convenção.
Ainda, a convenção de condomínio em multipropriedade deve prever a forma de rateio das despesas de manutenção e limpeza do imóvel com suas instalações, equipamentos e mobiliário, regras de convivência comum, disposições a respeito do administrador da multipropriedade, a possibilidade de afastamento temporário do multiproprietário antissocial, dentre outras questões de interesse comum. Importante destacar que a convenção em multipropriedade não se confunde com a convenção do condomínio edilício.
Se o imóvel em multipropriedade pertencer a condomínio edilício, os multiproprietários deverão cumprir as regras dispostas na convenção de condomínio em multipropriedade e na convenção do condomínio edilício, nos termos do artigo 1.358-P do Código Civil de 2002. Por fim, é de suma importância o adquirente de fração de tempo de condomínio em multipropriedade observar estritamente os termos da convenção para fins de evitar futuros transtornos.
Direito de preferência na multipropriedade:
Principal vantagem:
Na espécie, inobstante a possibilidade de aquisição de qualquer bem imóvel, independente do valor, a maior vantagem seria a aquisição de um imóvel considerado de alto padrão por um preço acessível.
Imaginemos um imóvel no valor de três milhões de reais, localizado em Ilhéus na Bahia. Com o regime da multipropriedade há a possibilidade de adquirir uma fração dessa propriedade e ainda dividir os custos com despesas ordinárias e extraordinárias, indicando ainda um administrador para o bem.
Algumas desvantagens:
Por outro lado, o proprietário da fração do imóvel, não pode poderá usufruir do mesmo quando desejar, pois haverá um cronograma de utilização a ser definido através de assembléia entre os proprietários/fração de tempo pré-definida.
O proprietário da fração de tempo poderá ainda ser advertido e até multado no caso de desobediência das regras estabelecidas através de convenção do imóvel sob regime de multipropriedade.
O proprietário da fração de tempo também não terá liberdade de decidir sozinho sobre benfeitorias e outras intervenções na propriedade, dependendo sempre de uma decisão em conjunto com os demais proprietários.
Áreas possíveis de atuação com a Lei 13.777/2018:
Com o advindo do regime de multipropriedade imobiliária no Brasil, podemos citar a ampliação de diversas áreas de atuação para advogados e outros profissionais, abrindo-se diversas possibilidades de negócios novos no ramo imobiliário.
Como ganhar direito com a multipropriedade imobiliária?
>Instalação do condomínio (advogados de construtora);
>Elaboração de convenção em multipropriedade para unidade e para condomínios;
>Síndicância profissional voltada para unidades imobiliárias sob regime de multipropriedade;
>Administração para unidades sob regime de multipropriedade;
>Assessoria registral e notarial;
>Elaboração de escritura para registro em multipropriedade;
>Cobrança extrajudicial/judicial de cotas de fração de tempo inadimplentes;
>Locação de frações de tempo em imóveis sob regime de multipropriedade;
Conclusões finais:
Diante do contextualizado, o instrumento da Multipropriedade tem o seu fim na viabilização da prática da propriedade plena pelos condôminos dentro de um limite temporal pré-estabelecido.
Posto isto, de acordo com o tempo registrado e auferido a cada titular, desde que previamente regulamentado, esse poderá usar e fruir do bem como melhor lhe convier, no entanto, quanto aos direitos reais de dispor e reaver, estarão limitados a cota parte de cada condomínio, ficando esseslimitados ao poder absoluto de seu exercício ante a concordância dos demais condôminos.
Dessarte, o Instituto da Multipropriedade veio para regularizar situações já existentes de fato, como anteriormente abarcado, objetivandoa legalização e regulamentação do uso e fruição individual, dentro da relação condominial para a prática do lazer, da hotelaria, ou de ambos.
Agora, cabe-nos melhor avaliar sua aplicação nas demais relações condominiais e sua eficácia quanto ao emprego total e absoluto do Direito Real sobre determinada coisa de forma individualizada, de acordo com o que é resguardado pela definição de propriedade e seus atributos.
Artigo em conjunto – Coordenadoria de direito condominial da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da 56º Subseção da OAB/Osasco
DIEGO VICTOR CARDOSO TEIXEIRA DOS REIS - Graduado em Direito pela Universidade Paulista; Pós-Graduado em Direito Imobiliário com ênfase em Direito Notarial e Registral pelo Legale; Especialista na área imobiliária e condominial; Sócio-Proprietário do escritório Teixeira e Reis Sociedade de Advogado; Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco.
JOSÉ AUGUSTO DE MORAIS PEREIRA - Advogado, Pós-graduado em Banking pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Extensão em Direito Contratual e Imobiliário pela Faculdade LEGALE, Extensão em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito, MESTRANDO em Direitos Fundamentais e Humanos pela UNIFIEO E PRESIDENTE da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco.
LUAN RODRIGO DE CARVALHO DA SILVA - Pós-Graduado em Direito Negocial e Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco. Cursando Administração de Condomínios pelo curso da Profª Rosely Schwartz.
LILIANE DOS SANTOS QUIRINO MARQUES - Pós-Graduada em Direito Imobiliário pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas (FMU). Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/Osasco.
ROSÂNGELA DE ALMEIDA SANTOS - Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco. Cursando MBA em Direito Previdenciário e do Trabalho na Faculdade Legale.
MAIRA AUGUSTA GUEDES DA SILVA - Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pelo Legale. Sócia do escritório Guedes & Silva Advocacia. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco.
LIGIA LEITE SILVA - Graduada em Direito pela Unifieo. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Osasco.